16 Maio 2022

Entrevista a Conceição Calhau, Professora catedrática da NOVA Medical School

Sabia que a redução do sal na alimentação pode diminuir a mortalidade por AVC em Portugal? Em entrevista à Sabe Bem, Conceição Calhau, professora catedrática da NOVA Medical School, investigadora e nutricionista, alerta para a necessidade de se aprender a mudar comportamentos para melhorar a saúde.

Educar o paladar para menos sal deve começar desde que nascemos. O que está a falhar no processo, dado que somos um dos países com maior consumo excessivo?

Neste contexto, educar significa que a transição para a alimentação familiar é um ponto crítico. Ou seja, o controlo na ingestão de sal é consensual numa fase em que as refeições são exclusivas do bebé, mas quando se passa a adotar o padrão familiar, se houver consumo excessivo, a criança inicia-se logo, numa fase muito precoce, neste tipo de padrão de consumo.

 

Qual é afinal a quantidade de sal que é considerada essencial numa alimentação saudável/equilibrada?

De acordo com a Organização Mundial da Saúde devemos consumir, no máximo, 5g de sal (cloreto de sódio) por dia, no entanto, em Portugal o consumo é praticamente o dobro. Para responder às necessidades em sódio, diárias, bastaria a quantidade que naturalmente está presente nos alimentos, não seria necessário adicionar.

 

O sal (cloreto de sódio) é todo igual?

Cruzando este problema de saúde pública – o consumo excessivo de sal – com um outro – a deficiência em iodo –, muitos países adotam políticas resolutivas em que o sal usado é universalmente iodado. Assim, para além das diferenças que existem no “sal”, quimicamente o que mais importa salientar é que se deve baixar o consumo de sal e substituí-lo por sal iodado.

 

Pode dizer-se que a utilização de sal em excesso em Portugal é um problema cultural?

A adição de sal está associada a um método de conservar alimentos e isso foi ficando.

 

Com a iniciativa Menos Sal Portugal, acompanharam algumas famílias no processo de redução. Quais as maiores dificuldades que estas pessoas revelaram no processo?

Existe um grande desconhecimento do tema, dos valores de sódio/sal dos alimentos, de como descodificar os rótulos dos produtos, para que se possa evitar o consumo excessivo de sal e adotar novos comportamentos. Seria importante aumentar o consumo de hortícolas (consumo de potássio) que ajudam a contrariar o risco do excesso de sódio. Com tempo, é possível treinar o paladar (com menos sal) para promover uma alteração de comportamento e consumo.

 

Durante o processo de redução, que benefícios foram mais evidentes na saúde destas pessoas?

O aumento da literacia em saúde, e em concreto na área da alimentação, confere maior segurança ao consumidor, que, tornando-se mais confiante, mais facilmente adere a novos comportamentos. Foram óbvias as alterações nos consumos com menos sal consumido e mais hortícolas. Ocorreram alterações a nível da pressão arterial nos voluntários envolvidos. Uma alimentação adequada é um dos pilares fundamentais, e dos principais fatores modificáveis que condicionam o excesso de mortalidade por AVC em Portugal. Um consumo médio diário de sal inferior a 5g reduz em 23% a morte por AVC e 17% a doença cardiovascular.

 

Como se comporta o corpo humano perante uma alimentação com excesso de sal? Quais os órgãos mais afetados?

Não posso deixar aqui de explicar que o sódio presente nos alimentos é absorvido “à boleia” com a glicose, o que explica que a absorção intestinal de glicose (açúcar) será mais efi ciente quanto mais sódio/sal estiver presente nas refeições. É isto que explica a associação entre obesidade e a ingestão excessiva de sal. Uma das doenças associadas é também o cancro, nomeadamente do estômago e bexiga.

 

Que doenças são exclusivamente efeito do consumo excessivo de sal? E que outras são agravadas por ele?

Será difícil a relação causa/efeito, mas existe entre este consumo excessivo e a hipertensão arterial, que por sua vez se relaciona com maior risco cardiovascular. O consumo elevado de sal aumenta o risco de hipertensão arterial, favorece o aparecimento de cancro e de doenças cardiovasculares.

 

Considera que deveriam ser tomadas medidas mais restritivas pelas entidades da saúde para prevenir este consumo excessivo? Quais apontaria como mais urgentes?

As tentativas resolutivas de legislação foram iniciadas no Ministério da Saúde, mas ainda não foram terminadas. Uma legislação que imponha valores máximos será uma boa ajuda. A redução de sal no pão, mesmo sem legislação, é um exemplo de sucesso. O Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) assume um compromisso nacional de redução do sal e nesse âmbito ficaram definidas metas para a redução do teor de sal, que no caso do pão indica 1g de sal por 100g de pão.